18/09/2020 às 16h37m - Atualizado em 19/09/2020 às 07h49m
18 de setembro de 1950: há exatos 70 anos, nascia a TV no Brasil
A primeira transmissão no país foi realizada em meio a suspenses, tensões e grandes expectativas
Com altas doses de improviso, inexperiência e tensão, a TV brasileira nasceu há exatos 70 anos em meio a casos pitorescos, curiosidades, contratempos técnicos e histórias que, hoje, ganham o sabor do folclore que habita certos acontecimentos e das recordações de quem presenciou esse momento definitivo rumo a uma nova era no país. Em 18 de setembro de 1950, uma garotinha de 6 anos anunciou a fantástica novidade: “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil”.
“O Assis Chateaubriand teve a ideia de colocar um cocar na minha cabeça. Me colocaram na TV, e essa frase ficou marcada. Eu era muito pequena, não tinha noção da grandiosidade do ato”, conta a belo-horizontina Sonia Dorce, que fez sucesso como atriz e cantora mirim naqueles tempos em São Paulo, onde vive desde muito pequena.
Porém, até a programação inaugural da então recém-criada TV Tupi ir ao ar naquela noite de setembro, muita coisa aconteceu e por pouco a data não entrou para a história da comunicação brasileira como o dia em que tentou-se – em vão – fazer TV no Brasil. Em 1948, o empresário e jornalista Assis Chateaubriand, em viagem pelos Estados Unidos, ficou fascinado com aquele aparelhinho que transmitia imagens e sons e já se popularizava pelos lados de lá. Visionário e aventureiro, ele não titubeou: iria levar a TV para o Brasil.
Chateaubriand voltou ao Brasil e colocou em prática sua ideia: negociou a compra de equipamentos com a RCA (Radio Corporation of America) e, de olho em investidores no Brasil, vendeu cotas de anúncios para alguns patrocinadores, entre eles a Sul América Seguros, o Guaraná Antarctica, o Moinho Santista e o Grupo Pignatari, a fim de viabilizar o empreendimento.
Afinal, onde estão as TVs?
No primeiro semestre de 1950, os equipamentos para a transmissão chegaram ao porto de Santos e começaram a ser montados dias depois, mas uma pergunta fundamental parece ter escapado a Chateaubriand. “Onde as pessoas vão ver? Não produzíamos TV no Brasil. Tinham se esquecido desse importante detalhe”, diverte-se o professor de rádio e TV, pesquisador e diretor do Museu da TV, Rodolfo Bonventti.
Embora o Brasil vivesse o boom da indústria em suas diversas atividades naquele período, não havia, obviamente por se tratar de um novo negócio, fabricação nacional de aparelhos de TV. A solução, pensada às pressas pelo empresário, foi importar 200 televisores. “Instalaram-se esses aparelhos em bares, órgãos públicos, restaurantes e em algumas casas de pessoas escolhidas a dedo”, explica Bonventti.
Enfim, 18 de setembro. As expectativas eram enormes. Com uma equipe técnica de seis pessoas, a TV Tupi estava pronta para decolar. O diretor Élio Tozzi, 90, ainda se lembra de toda a movimentação nos estúdios da capital paulista: “Várias autoridades estavam presentes, muitos artistas. Quando começaram a ligar as câmeras, eu estava junto”. O clima que pairava no estúdio era de puro suspense, misturado a uma ansiedade que se podia pescar no ar. “Ninguém sabia ao certo o que era aquilo. A expectativa era a de conhecer uma coisa completamente nova e espetacular”, Tozzi destaca.
Para aumentar o nervosismo e a aflição, problemas técnicos deixaram Assis Chateaubriand impaciente. “Eu estava numa sala pequena e, de repente, a câmera pifou”, diz Sonia Dorce. “Há uma lenda que diz que Chateaubriand abriu uma champanhe para comemorar a estreia e acabou estourando a câmera, mas isso é folclore”, diverte-se Bonventti. Se o que não tem remédio remediado está, o jeito foi fazer a transmissão com apenas duas câmeras. “Isso foi um marco, era tudo ao vivo”, acrescenta Dorce. Sobre o alvoroço no estúdio, Élio Tozzi emenda: “Todos estavam fazendo ‘das tripas coração’ para que os fios não se enrolassem”.
Por volta de 20h30, com meia hora de atraso, o ator Walter Forster proclamou: “Está no ar a PRF-3, TV Tupi de São Paulo, a primeira estação de televisão da América Latina”. Hebe Camargo, escalada para cantar o Hino da Televisão Brasileira na cerimônia, não apareceu, e Lolita Rodrigues assumiu seu lugar. O programa de variedades “Show na Taba”, com duas horas de duração e protagonizado por artistas como Lima Duarte, Lolita Rodrigues e o próprio Forster, foi a primeira atração da TV brasileira.
Passo rumo ao futuro
A noite de estreia da TV Tupi foi vista pelo seleto grupo que possuía os aparelhos distribuídos por Chateaubriand. O pai de Sonia Dorce, Francisco Dorce, maestro e músico da rádio Tupi de São Paulo, foi presenteado com um aparelho. “Minha vó colocou a TV na janela da minha casa, fez café para que os vizinhos e os amigos que passassem pela rua também pudessem assistir à neta dela na televisão. Foi uma sensação, um espetáculo”, recorda Sonia.
Mas 18 de setembro foi só o primeiro passo. Em 1951, a indústria brasileira começou a fabricar aparelhos de TV, que já somavam 6.000 em São Paulo e no Rio no fim daquele ano. Hoje, após tantas transformações estéticas e tecnológicas na forma de se fazer televisão, estima-se que 97% dos domicílios do país (aproximadamente 71 milhões de imóveis, ou cerca de 200 milhões de telespectadores) tenham, pelo menos, um aparelho. Impossível pensar sobre esse fenômeno sem voltar àquele 18 de setembro de 1950, um dos dias mais importantes da história brasileira no século XX.
Celebrações aos 70 anos
Para comemorar as sete décadas do surgimento da TV no Brasil, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) realiza uma programação especial alusiva à data. Na última quarta-feira (16), dentro do projeto TV Ano 70, foi colocado no ar o portal Memória Abert com linha do tempo, matérias especiais, galerias de fotos e vídeos, curiosidades e uma área colaborativa para depoimentos. Nesta sexta (18), será lançado o e-book “TV Tupi: Do Tamanho do Brasil”, dos jornalistas Elmo Francfort e Maurício Viel, que conta a história da emissora pioneira e a criação e implementação da TV no mundo. A programação também conta com debates online e pode ser conferida no site da entidade.
“Preservar essa memória é enaltecer a cultura e a sociedade brasileira que nós vimos de forma audiovisual diariamente há 70 anos. Isso precisa ficar registrado para que as futuras gerações saibam para onde caminhamos e de onde viemos”, afirma o jornalista e coordenador do projeto TV Ano 70, Elmo Francfort.