03/05/2018 às 11h53m - Atualizado em 03/05/2018 às 13h28m
Sentença histórica: prefeito é condenado a 20 anos de prisão por ordenar o assassinato de 400 cães
A condenação coletiva inédita, em favor dos animais, se deu por crimes ambientais continuado.
Vitória inédita da causa animal do Brasil com uma condenação coletiva e exemplar. Justiça foi feita aos cerca de 400 cães caçados nas ruas e mortos, em 2013, na cidade de Santa Cruz do Arari (Região do Marajó – Pará). O caso, conhecido como “O Massacre de Arari” chocou o país e teve repercussão internacional. A denúncia criminal apresentada à Justiça pelo Ministério Público do Pará (MPPA) resultou, no último 24 de abril, em mais uma sentença histórica, como foi também a do Caso Dalva, em SP, com a condenação da matadora de animais a 17 anos de prisão.
O ex-prefeito Marcelo José Beltrão Pamplona foi condenado a 20 anos de cadeia pelo “canicídio”. Como uma forma de “limpar” a cidade, ele pagou para que funcionários da prefeitura e moradores locais capturassem os cães em situação de rua. Atraídos pelo valor de R$ 10 por cachorro capturado, as pessoas começaram a pegar não só cães de rua, mas também os que tinham lares roubando-os de suas casas.
“Fotografias e vídeos mostraram claramente os animais sendo laçados e arrastados pelas ruas, ocasionando fraturas, perda de pedaços de peles e sangramentos, sendo levados para porões de barcos e recebendo estocadas com pedaços de paus”, diz nota do Ministério Público do Pará divulgada ontem, 30 de abril.
O massacre consistia em morte de duas maneiras, caso sobrevivessem à brutalidade da caçada: eram lançados no Rio Monções para morrerem afogados ou largados na Ilha do Francês, sem condições de sobrevivência e onde vivia uma pequena comunidade extremamente pobre.
Condenação coletiva e exemplar
Além do ex-prefeito, foram condenadas outras seis pessoas: Luiz Carlos Beltrão Pamplona (irmão do ex-prefeito e secretário de Transportes), Waldir dos Santos Sacramento e Odileno Barbosa de Souza (funcionários da prefeitura), os irmãos José Adriano dos Santos Trindade e Josenildo dos Santos Trindade (contratados para capturar os cães) e Alex Pereira Costa (dono da embarcação que levou os cães até a ilha do Francês).
O procurador de justiça Nelson Medrado e a então promotora titular de Santa Cruz do Arari, Jeanne Farias de Oliveira, foram os autores da denúncia que contou com o apoio da promotora de justiça Fabia Fournier.
Após analisar a denúncia do MPPA e as defesas dos acusados, o juiz Leonel Figueiredo Cavalcanti caracterizou todos os envolvidos como “detentores de personalidades reprováveis, por serem pessoas frias, calculistas e insensíveis ao sofrimento de indefesos animais diante da supremacia da espécie humana”.
A condenação coletiva inédita, em favor dos animais, se deu por crimes ambientais continuados, já que foram praticados repetidos atos de abuso e maus-tratos a animais. O ex-prefeito foi também punido por tentativa de obstruir as investigações, com agressões e intimidação de testemunhas.
A sentença ainda determina que os condenados percam a função pública que, eventualmente, estejam ocupando, em qualquer esfera da administração pública, ou a qualquer título, eleito ou concursado, tendo em vista que os crimes praticados foram no exercício de função pública e no interior da administração pública, inclusive com o uso de bens públicos.
Veja as penas e multas:
Marcelo Pamplona: condenado a 20 anos de prisão e multa de R$ 1,7 milhão.
Luiz Carlos Beltrão Pamplona: condenado a 2 anos, 4 meses e 6 dias de detenção e multa de R$ 1,4 milhão.
Odileno Barbosa de Souza: condenado a 1 ano e 10 meses de detenção e multa de R$ 3,1 mil.
Waldir dos Santos Sacramento: condenado a 1 ano e 10 meses de prisão e multa de R$ 1,2 mil.
Alex Pereira da Costa: condenado a 1 ano e 10 meses de detenção e multa de R$ 3,1 mil.
José Adriano e Josenildo dos Santos Trindade: condenados a 2 anos e 1 mês de detenção e a multa de R$ 3,1 mil.
Do Inferno ao Céu
Conforme relatado na matéria exclusiva da ANDA na época do massacre os animais sobreviventes foram do inferno ao céu graças a união de protetores: “Imaginem uma ilha muito distante, muito pobre e com dezenas de cães esfomeados, já em estado de pele e osso, morrendo aos poucos. Agora imaginem uma equipe de protetores de São Paulo unindo-se a outros de Belém do Pará e salvando 82 animais em situação deplorável. Tem mais: eles conseguiram acomodar todos os cães, de uma só vez, no recinto de um barco. Destino: uma chácara para serem vacinados e tratados. E o melhor de tudo: não é ficção. Esse resgate aconteceu mesmo entre os dias 11 e 16 de junho, na Ilha do Francês, em Santa Cruz do Arari”.
Mas apesar do esforço conjunto, do qual o Brasil todo e pessoas do Exterior participaram pessoalmente ou à distância patrocinando as operações de resgate, vários cães retirados da Ilha do Francês não resistiram. Os que sobraram ficaram com a ONG Au Family do Pará que, passada a euforia do caso, teve sérios problemas para manter os animais sofrendo com ameaças de despejo e falta de ajuda veterinária e financeira.
O problema com os animais em situação de rua persiste. Apenas cinco de 144 municípios paranaenses possuem Centro de Zoonoses com alguma capacidade para castrar os animais, oferecer abrigo e programas de adoção. As prefeituras terão que investir em programas de castração e vacinação em massa para evitar novos casos como o de Arari – uma tragédia que poderia ser evitada com administração voltada ao bem-estar dos animais e que reflete na população como um todo.
*Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal