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17/03/2019 às 12h21m - Atualizado em 18/03/2019 às 08h41m

Após período de queda, produção de açúcar e etanol volta a crescer em Pernambuco

O reaquecimento a partir de um novo ciclo da cana no Estado – iniciado em 2015 com a reabertura das usinas Cruangi em Timbaúba e Pumaty, na Mata Sul – trouxe esperança.

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Até meados de abril, quando se encerrará a safra 2018-2019, cerca de 12 milhões de toneladas de cana-de-açúcar devem ser  moídas em Pernambuco. O número representa um acréscimo de quase 10% em relação à moagem anterior, de acordo com Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool (SindAçúcar-PE).

Apesar do crescimento, Pernambuco, que até 1630 esteve entre os maiores  produtores mundiais de cana, hoje não é nem o primeiro do Brasil. Atualmente, São Paulo concentra 50% da produção, cabendo a todo o Nordeste 10% do total. Na avaliação do engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Djalma Euzébio, a presença de pátio fabril e a existência de topografia favorável ajudam no desempenho do Estado do Sudeste: “Lá, o declínio do café deu espaço para a cana. Aqui, houve avanço tecnológico nas últimas décadas, mas ainda estamos atrás”.

Atualmente, a atividade tem uma participação de 29,3% no valor obtido com toda a atividade agrícola em Pernambuco, segundo dados obtidos com a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe-Fidem).  Esse percentual já chegou a 46% nas duas últimas décadas.

Responsável, há 28 anos, por projeto que integra a universidade e o setor na produção de novas variedades genéticas da cana-de-açúcar, Djalma chama atenção para a necessidade de investimento em pesquisas. “Se não houvesse estudos, praticamente não existiria cana para plantar hoje”, frisa. Nove usinas pernambucanas participam do projeto, que conta também com a participação de outras nove universidades brasileiras.

“Conseguimos fazer cruzamentos com materiais mais ricos, vindo inclusive de outros países. O processo torna as variedades mais resistentes a doenças, garantindo maior produção por área plantada”, explica o professor. Investimentos em irrigação também têm sido feitos no Estado, com a substituição do regime de chuvas por sistema de microgotejamento.

A tecnologia mudou a atividade canavieira ao longo dos anos. Até o começo dos anos 1980, a produção era 100% manual e com transporte animal. “Houve uma evolução lenta de lá para cá, até porque a mecanização exige pesquisa cara”, observa Djalma. A topografia pernambucana também é apontada como obstáculo, já que impede a expansão da mecanização no corte, método presente em 90% da colheita paulista. Atualmente, apenas 10% da pernambucana é feita por máquinas.

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Na safra atual, o Estado conta com 13 usinas em funcionamento. Desde 2011, o setor enfrenta dificuldades. No período, houve paralisação das atividades em sete unidades produtoras em pelo menos uma das safras. O reaquecimento a partir de um novo ciclo da cana no Estado – iniciado em 2015 com a reabertura das usinas Cruangi e Pumaty, na Mata Sul – trouxe esperança.

Em fevereiro deste ano, o tema repercutiu no Plenário da Alepe. “A reabertura dessas usinas foi o que de mais importante aconteceu na Zona da Mata nos últimos anos. Se há uma unanimidade nessa região, é a respeito dos benefícios econômicos da reativação do setor açucareiro. As feiras nas cidades estavam vazias, mas hoje estão cheias”, descreveu o deputado Antônio Moraes (PP).

Ano passado, produtores reuniram-se na Assembleia Legislativa para debater proposta com potencial de gerar 20 mil empregos diretos e indiretos por ano no Estado. Em audiência pública realizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, o Projeto Renovar foi apresentado como alternativa para recompor a cultura canavieira no Nordeste.

Pelos cálculos do consultor do setor sucroalcooleiro em Pernambuco Gregório Maranhão, “nos últimos cinco anos, o Nordeste deixou de produzir 20 milhões de toneladas de cana, o que representa 200 mil empregos perdidos”. Em termos financeiros, ele indica um prejuízo de R$ 4 bilhões. “Mais do que uma solução, o Renovar é uma contribuição oportuna e de caráter emergencial para Pernambuco e para o Nordeste. A cana é um insumo de integração regional”, destaca.

Em fevereiro, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa do Setor Sucroalcooleiro, para discutir medidas de fortalecimento da atividade no Estado. “Sou empresário do ramo e vejo o segmento em extrema decadência, tendo cada vez mais dificuldades. Queremos que o Governo possa intervir de forma positiva para reverter esse quadro”, afirmou o deputado Clovis Paiva (PP), que propôs e coordena o colegiado. Ele avaliou, ainda, que “não basta reativar usinas. É preciso examinar mais de perto e de maneira mais profunda os problemas do setor”.

Da cana esmagada no Estado, cerca de 54% são destinados à produção de açúcar e 46% para o etanol. O custo do açúcar, no entanto, tem contribuído para modificar essa balança. De acordo com o SindAçúcar-PE, “nas últimas três safras, houve uma queda nos preços do açúcar, que tem cerca de 30% da produção negociada no exterior. No mercado interno, os preços também caíram no mesmo período, em torno de 25%”.

O sindicato avalia a tendência de ampliação da produção do etanol também em razão da maior procura: “Nos últimos dez meses, o etanol substituiu mais de 37% de toda a gasolina consumida em Pernambuco”. Também é produzida energia elétrica a partir do processamento do bagaço da cana.

Trabalhador rural

Em dezembro do ano passado, houve deflagração de greve dos canavieiros após 13 rodadas de negociação. De acordo com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais do Estado de Pernambuco (Fetaepe), a paralisação, que durou quatro dias, mobilizou cerca de 80% da categoria.

O ponto principal da pauta de reivindicações foi o deslocamento remunerado ao local de trabalho. Até a aprovação da Reforma Trabalhista, em 2017, o art. 58 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)previa a incorporação do tempo desse percurso, ida e volta, desde que o local de trabalho fosse de difícil acesso e não servido por transporte público regular, e que o empregador fornecesse a condução, era a chamada hora in itinere.

Como o período em deslocamento representava um acréscimo de 20% a mais no salário, a categoria lamentou a perda e cobrou compensação. “Conseguimos a garantia de vários direitos, mas a hora in itinere, infelizmente, não foi mantida em audiência de conciliação realizada na Justiça do Trabalho. Estamos orientando os trabalhadores a ajuizarem as horas extras para conseguir substituir esse valor”, declarou Gilvan Antunis, presidente da Fetaepe, que reúne quase 140 mil membros.

De acordo com a Federação, o contrato safra inclui o piso de R$ 1.016, uma cesta básica mensal no valor de R$ 50, além do pagamento por produtividade. Estima-se o corte diário de três toneladas por trabalhador. A produtividade é calculada a partir do que for cortado a mais.

No período de entressafra, a renda dos profissionais advém da possibilidade de recontratação para o plantio e do Programa Chapéu de Palha. “Seria importante para os trabalhadores rurais que houvesse a desvinculação entre o Chapéu de Palha e os programas de assistência social, já que há dedução do valor caso a família receba outros auxílios”, pontua Gilvan. A maior parte da categoria é composta por homens, entre 20 e 50 anos.

 

Herança doce e amarga

Em abundância no Estado, o açúcar também foi responsável por forjar o patrimônio cultural no âmbito da gastronomia, com cardápio variado de bolos e doces. O livro Assucar, escrito pelo sociólogo Gilberto Freyre, reúne as receitas e reflete acerca da presença do ingrediente nas relações sociais.

Ao destacar que “o açúcar é um ingrediente social”, a antropóloga Ciema Mello, do Museu do Homem do Nordeste, fala sobre a importância do doce na cultura. “A gente faz bolo, toma café e conversa – o açúcar está presente nos nossos rituais de convivência. Nas nossas festas, celebramos sempre com um bolo”, pontua. Também sublinha que Gilberto Freyre foi o primeiro a perceber isso: “Ele entende o açúcar não só sob o aspecto econômico, como aquilo que a gente exporta”, observa.

Do departamento de Gastronomia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a professora Neide Shinohara chega a afirmar que “o doce de Pernambuco é mais doce”. “Isso fica claro nos concursos de culinárias no Brasil e no exterior. Aqui há sempre a percepção de que o doce tem que aparecer, tem que sobressair, no sabor. Está no DNA pernambucano”, analisa.

A cana começou a ser cultivada no Brasil por meio dos portugueses, sob o trinômio monocultura, latifúndio e escravidão. A influência de três séculos de apogeu da produção repercutiu de tal forma na sociedade a ponto de Gilberto Freyre escrever, em 1939, que “sem açúcar – seja do mais refinado ao mascavo, ao bruto ou de rapadura – não se compreende o homem do Nordeste” (ver box).

Para o professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus de Carvalho, a frase pode ser ampliada: “Sem o açúcar, não se compreende o Brasil”. “A estrutura de latifúndio e escravidão marcou muito a sociedade brasileira, étnica e economicamente, o que permanece até hoje”, avaliou.

O livro A Velha Usina, de Robert Levine, traz a informação de que, “em tempos prósperos, algumas fazendas tinham chegado a possuir até 150 escravos. E o escravos constituíam, em certa época, cerca de três quartos dos trabalhadores do Estado”.

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